Ai, senhor das furnas Que escuro vai dentro de nós Rezar o terço ao fim da tarde Só para espantar a solidão E rogar a Deus que nos guarde Confiar-lhe o destino na mão ♪ Que adianta saber as marés Os frutos e as sementeiras Tratar por tu os ofícios Entender o suão e os animais Falar o dialeto da terra Conhecer-lhe o corpo pelos sinais ♪ E do resto entender mal Soletrar, assinar em cruz Não ver os vultos furtivos Que nos tramam por trás da luz ♪ Ai, senhor das furnas Que escuro vai dentro de nós A gente morre logo ao nascer Com olhos rasos de lezíria De boca em boca passando o saber Com os provérbios que ficam na gíria ♪ De que nos vale esta pureza Sem ler fica-se pederneira Agita-se a solidão cá, no fundo Fica-se sentado à soleiro A ouvir os ruídos do mundo E a entendê-los à nossa maneira ♪ E carregar a superstição De ser pequeno, ser ninguém E não quebrar a tradição Que dos nossos avós já vêm