Há vozes que ascendem Do fundo do vale Emergem em grupo Da cortina branca Da chuva que é forte Garantida e farta Os corpos molhados Da gente que canta À frente há um velho No seu passo usado Mudo, sem cantar Sem rir, sem falar Os olhos no chão A cara molhada Sem denunciar Se é triste ou contente. Esta chuva é sua É sua e dos vivos Que os mortos escutaram Não precisa dar-se Para além do que é Está dentro da chuva Habita as paragens Que a geram e dão Já vive no mundo Que não se distingue Se é vivo, se é morto Se é deus, se é palavra Se é gesto, se é alma Não lhe dá cuidado. Esta chuva é sua É sua e dos vivos Que os mortos escutaram É mundo e se é mundo Progride em silêncio Porque é o silêncio Que governa tudo. Está dentro da chuva