O sol da minha cidade me fez forte, resistente E tão cego quanto meu pai Governador Valadares: a quinta cidade mais violenta para jovens Serviu de berço para mim e também para Eike Batista Desde pequenos, os sortudos recebem só uma lição Sair de lá o mais rápido possível Enquanto uns vão pra Europa Outros vão pra Belo Horizonte ou São Paulo Ou outra cidade qualquer A verdade é que o relógio do homem moderno não para nunca Não é nenhuma novidade o fato de termos pressa Pressa de vencer e pressa de morrer O asfalto deixa a gente com pressa A gente nasce do asfalto e vive do asfalto até morrer Bem, pelo menos uma boa parte de nós Enquanto isso a cidade vai matando a gente Pelo menos eu sei que essa cidade tá me matando Mas eu sei também que essa é a cidade que eu mereço agora Não adianta eu me enganar Não sou bom o suficiente pra morar em outra cidade Embora se houvesse uma competição entre eu e Márcio Lacerda Pra ver quem dá mais a mínima pra esse lugar Ia rolar uma briga feia Mas não me entendam mal Eu não dou a mínima pra política Enquanto meus amigos se frustram Com o que acontece na prefeitura ou no planalto Quando o sol nasce, a contribuição milionária de todos os erros Continua resultando na nossa própria experiência de vida Mas eu sei que essas são as pessoas que vivem bem As pessoas que assistem a um show de instrumental A um show de rap A um show de samba e voltam pra casa satisfeitas Mas eu não consigo ser assim Eu não nasci pra ser assim Eu não quero ser brasileiro, eu não quero cantar inglês Eu não quero tocar instrumental, eu não quero fazer a nova MPB Eu não quero fazer rap Eu não quero que a nossa banda se torne uma empresa Eu não quero ir pra Europa, eu não quero ir pros Estados Unidos Eu não quero dinheiro demais, eu não quero nada disso Eu não vejo sentido em nada disso E eu sei que não sou só eu tentando vencer nessa porra, eu sei É por causa disso que meus inimigos me odeiam E meus amigos me amam Quando os bares fecham a gente dá um jeito E arranja um outro lugar pra ir e encher a cara Essa é a única hora que o relógio para Com 23 anos é assim E aí acabamos fazendo piada de tudo porque tudo vira uma piada E criamos teorias e músicas, e frases Todas essas coisas que serão esquecidas amanhã Mas que vão existir pra sempre Nos tempos da internet o passado é eterno E, cara, a gente já viu tanta coisa e já viveu tanta coisa Por isso que a gente precisa falar o que quer na hora que quer Por isso que a gente lança essas musicas Se eu morresse amanhã, tudo isso morreria comigo Todas as histórias e teorias, e frases fajutas de lágrimas na chuva Eu já disse uma vez que às vezes é preciso gritar Tocar alto, quebrar coisas, eu sei Mas às vezes só é preciso falar E ter alguém que queira te ouvir, não é? Eu sei que o mundo tem problemas maiores e mais sérios Mas todo mundo precisa de falar dos seus uma hora A salvação só pode estar fora desse asfalto, cara Quando a gente sair daqui, conversa direito, sei lá Porque com 23 anos eu ainda sou forte, resistente E tão cego quanto meu pai