Impossível escrever sobre nada Não ter conteúdo, ou alguma importância Longe de tudo, a ignorância O corpo liberto, a mente parada Impossível escrever sobre nada Espaço profundo, vazio sem luz O fim desse mundo que não se reduz Ao mesmo caminho, ou beira de estrada Impossível escrever sobre nada A pura ausência, essência da falta Nenhuma presença, silencio que salta Sem sonho, futuro e memória bastarda Impossível escrever sobre nada O eco do oco, espelho no escuro Ser menos que pouco em cima do muro Pra ter uma ideia que não foi usada Nada Impossível escrever sobre nada Ficar entre as coisas sem lhes pertencer Com nenhuma delas se parecer Botar no pescoço essa corda apertada Impossível escrever sobre nada Nascer sem origem, viver sem destino Perder a viagem, morrer repentino Sem nem conhecer a mulher amada Impossível escrever sobre nada Deixar ir embora, o que nem chegou Botar para fora o que ainda não entrou E andar deslizando na faca afiada Impossível escrever sobre nada Não permanecer, não ser, não sentir Desaparecer sem nunca surgir As mãos amarradas, a boca calada É impossível escrever sobre nada Colar os pedaços de um passado falso Fingir que o sapato tem seu pé descalço Encontrar os passos da perna amputada Impossível escrever sobre nada A peça de um jogo que ninguém encaixa Sem errar o alvo, sem usar borracha Sua força contraria é contrariada