As vezes pego a guitarra Pra contrariar a quietude E as mãos campeiras e rudes Vem se fazer de cigarras A alma solta as amarras Que a solidão traz consigo O peito encontra um abrigo Numa milonga de essência E a própria voz da querência Começa a prosear comigo Há uma magia pampeana Quando a milonga aparece Mescla de pranto e de prece Na liturgia Aragana Milonga lua orelhana Que guarda a paz dos confins Ressuscitando os clarins Que se calaram tristonhos Encontra os medos e os sonhos Que estão perdidos de mim Já não me sinto sozinho Quando a milonga desgarra Pois se humaniza a guitarra Que me acompanha aos caminhos Somos dois, eu e este pinho Companheiros das noites longas Minha ilusão se prolonga Ao constatar que o bordão Na verdade é um coração Pulsando dentre a milonga Lembro as perguntas que eu fiz Porque tanto imediatismo Falsos tchês estrangeirismo Desprovidos de raiz Mas a milonga me diz Sempre a caranchos parceiros Rondando a paz dos potreiros Já desde o tempos de antanho Mas quem tem campo e rebanho Madruga sempre primeiro Milonga, velha rainha Das minhas noites sem sono Esta guitarra é teu trono Onde a saudade se aninha O meu verso te amadrinha No galpão da plenitude Sinto sede, és meu açude E é por isso que com garra As vezes pego a guitarra Pra contrariar a quietude