Certa vez estive viajando por esse Brasil afora Quando me vi no sertão Numa estrada de chão, era tarde, umas três horas De repente, meu carro quebrado Fechei os vidros, deixei ali encostado E ajuda eu fui procurar Quando eu vi uma casa ali perto O lugar era deserto Pelo trilho comecei a andar Fui chegando devagarinho E quando vi estava pertinho Por ajuda fui gritando A casa parecia abandonada A porta não estava trancada Eu abri, fui entrando Na entrada logo vi que alguém morava ali Pois tinha uma cama velha Duas panelas na prateleira Num canto, um banco encostado O fogão de lenha do lado E a moringa era geladeira De repente ouvi um gemido Entrei e vi um velho caído Que me disse com a voz estremecida Meu filho, sente aqui do meu lado Só ouça, fique calado A história da minha vida... Eu era um rapaz faceiro Era o rei dos boiadeiros Tinha vida pra dar e vender Na viola eu era um açoite Trabalhava dia e noite Só não sabia ler e escrever Me apaixonei por uma moça chamada Tereza E no dia do nosso casamento Dançamos até noite adentro E eu fazia meus planos Vou construir nossa casinha Criar gado, criar galinha Nem que demorasse muitos anos Mas aí veio a tristeza A minha querida Tereza O filho não pôde suportar Foi sentindo a dor do parto E ai nesse mesmo quarto Ela partiu e com Deus foi morar Fiquei eu e o menino Tracei ali o seu destino e jurei a ele estudo dar Nem que eu tivesse o sacrifício Se fosse pro seu benefício Até sangue eu ia derramar Mas quem tem Deus não se apura Mesmo levando uma vida dura Eu não podia me queixar Eu era muito valente O menino inteligente Arroz e feijão nunca ia faltar Me lembro como se fosse agora Ele chegando da escola No ultimo dia do ano E com sua simplicidade me disse Pai, eu quero entrar na faculdade Pois é esse meu plano E se foi para a cidade grande Me deixando aqui tão longe Para vencer no seu futuro Eu fazia economia, trabalhava noite e dia Para manter o seu estudo Se passaram quatro anos E eu na roça lutando Numa vida muito dura Mas ao céu eu agradeci Pela graça que recebi Pois chegou o dia da sua formatura Vesti meu terno de estopa Eu não tinha outra roupa No meu pé, meu velho sapatão Com as unhas sujas de terra Pulei vale, cruzei serras Pra ver meu filho receber a sua formação Fui chegando na cidade E com a minha simplicidade No salão eu fui entrando Quando vi meu filho do lado Tava bonito, tava arrumado E pro seu lado fui andando Eu fui com os braços abertos Mas na hora ele saiu de perto Com uma cara risonha Criticou minha roupa velha As unhas sujas de terra Falou que de mim estava com vergonha Foi embora e me deixou ali num canto Dos meus olhos escorreu pranto E no meu peito uma grande dor Pois ali me desprezava Quem eu tanto ajudava Do fundo do meu amor Fui saindo do salão Cruzei aquela multidão Com o peito cheio de tormento Então voltei pra essa casinha Pra tocar minha vidinha E esquecer meu sofrimento Hoje, hoje estou velho, eu sei De tanto que trabalhei Da minha dor que mais parece uma ferida O meu filho eu não vi nunca mais Hoje deve ser doutor ou senhor dos tais E eu aqui, no fim da minha vida Mas vá, parte agora E se um dia encontrar meu filho Por essa estrada afora Diga à ele que aquele terno de estopa Que eu usei no dia da sua formatura É o mesmo terno que usei No dia que me casei Com aquela que morreu para lhe dar a vida E é com ele que eu vou para sepultura Diga também que foi com aquele velho sapatão Que eu trabalhei e tirei desse chão O sustento do seu futuro E as unhas sujas de terra Representa o anel de formatura De quem nunca teve estudo E por fim, diga a ele que eu lhe perdôo Que por Deus eu lhe abençôo E não reclamo a minha cruz Foi tão grande meu sofrimento Mas não se compara em nenhum momento Ao sofrimento de Jesus