O barco vai de saída Adeus ó cais de alfama Se agora vou de partida Levo-te comigo ó cana verde Lembra-te de mim ó meu amor Lembra-te de mim nesta aventura P'ra lá da loucura P'ra lá do Equador Ah! mas que ingrata ventura bem me posso queixar Da pátria a pouca fartura Cheia de mágoas ai quebra mar Com tantos perigos ai minha vida Com tantos medos e sobressaltos Que eu já vou aos saltos Que eu vou de fugida Sem contar essa história escondida Por servir de criado a essa senhora Serviu-se ela também tão sedutora Foi pecado Foi pecado E foi pecado sim senhor Que vida boa era a de Lisboa Gingão de roda batida Corsário sem cruzado Ao som do baile mandado Em terras de pimenta e maravilha Com sonhos de prata e fantasia Com sonhos da cor do arco-íris Desvairas se os vires Desvairas magia Já tenho a vela enfunada Marrano sem vergonha Judeu sem coisa sem fronha Vou de viagem ai que largada Só vejo cores ai que alegria Só vejo piratas e tesouros São pratas, são ouros São noites, são dias Vou no espantoso trono das águas Vou no tremendo assopro dos ventos Vou por cima dos meus pensamentos Arrepia Arrepia E arrepia sim senhor Que vida boa era a de Lisboa O mar das águas ardendo O delírio dos céus A fúria do barlavento Arreia a vela e vai marujo ao leme Vira o barco e cai marujo ao mar Vira o barco na curva da morte Olha a minha sorte Olha o meu azar E depois do barco virado Grandes urros e gritos Na salvação dos aflitos Esfola, mata, agarra Ai quem me ajuda Reza, implora, escapa Ai que pagode Reza tremem heróis e eunucos São mouros, são turcos São mouros acode Aquilo é uma tempestade medonha Aquilo vai p'ra lá do que é eterno Aquilo era o retrato do inferno Vai ao fundo Vai ao fundo E vai ao fundo sim senhor Que vida boa era a de Lisboa Que vida boa era a de Lisboa