Tudo começa n'um amor louco
Casal perfeito desde adolescentes
Almas gémeas feitos um para o outro
A primeira ambulância passou
Esperem, a história ainda agora começou
Focados nos estudos
Focados no futuro, tudo compensou
Compraram a primeira casa juntos
Ela tinha uma família, ele a sua não a via
Casaram por registo porque a fé não estava em dia
Eram felizes, o sonho de ser mãe aconteceu
Choraram com a prenda que a vida lhes deu
Primeira eco, um pequenino coração
Que bate em sincronia com a mamã
Parabéns ao pai presente
Nova ecografia, é um menino
Felicidades ao casal
Mas este coração bate diferente
Terceira eco, ela escondia hemorragias
Mãe chora pela gravidez de risco
Pai ausente
Pai tão ocupado na ambição profissional
Mamã vomita sangue na sanita do hospital
Reclusa de uma depressão, pediu apoio à família
Mas esta não prestou bem atenção
A primeira ambulância passou
Ela acalma a dor do filho na barriga com o calor das suas mãos
Bebé tem de nascer, papá venha a correr
Vai chamar-se Salvador, mas a mãe pode morrer
Nunca imaginei ficar
Tão cedo longe de ti
Deixo-te um pedaço do nosso sonho
Nunca deixes de sorrir
Somos almas de mãos dadas
Nunca largues a minha mão
Ainda precisamos de ti
Aqui tens o meu perdão
Salvador, menino prematuro
Pele fina, aveludada, tão brilhante como ouro
Pousado no peito da mãe, mas ela não se mexe
Levado pelos médicos, pai chora, fica em choque
Não sabe o que sentir, viu o nascimento e a morte
O tempo é precioso, ele não deu atenção
O amor é grandioso não se enfia num caixão
Não se ultrapassa a morte, mas a vida segue em frente
Pai viúvo sobrevive, é viúvo para sempre
Incondicionalmente o amor é salvação
Salvador, mas este coração bate diferente
Cresceu sozinho e sonhava em ter amigos
Mas preferia legos e brinquedos coloridos
Na escola reclamavam que era sensível demais
Não entendia humanos, preferia animais
Menino amoroso, Q.I superior
Mas não aprendia, diziam que ele era preguiçoso
De escola para escola na hora da refeição
Insultos ignorados ao olhar da inclusão
Onde está o Salvador?
No intervalo o sítio favorito era o W.C, trancava-se sozinho
E onde o está o pai? Fechava-se a chorar
Escondido para o filho não o ver a fraquejar
Salvador, especial nas mãos da educação
Mas o sucesso à pressão é retrocesso ao empurrão
Ele não queria atenção
Se batia, batia, batia com a cabeça era alívio que sentia
Ouvia o eco de um sorriso, descodificava o mundo
Congelava um olhar na eternidade de um segundo
Salvador não tinha amigos de verdade
Mochila com pedras ele carrega o peso da amizade
Pai ocupado na ambição profissional
Filho assediado numa escola excecional
Salvador suporta a dor física e verbal
Profs' dizem: Pai não se preocupe isto é normal
Ele perdoa tudo, afinal são só miúdos
Fazia coleção de bilhetes com insultos
Se o medo invade o coração, Salvador corre!
A barriga doía, sabia que não era de fome
Naquele dia Salvador acordou diferente
Dia do pai na escola, sozinho, pai ausente
Gélido treme, não sentia as mãos
Engoliu bem seco, sala de aula é palco do inferno
Professor grita: Salvador ouves mal?
Risos para ele são ruídos que racham o cristal
Ele tapa os ouvidos e chora, ninguém acode
Se o medo invade o coração, Salvador corre!
Fugiu, sem ver, sem ouvir, sem sentir
As pernas que fogem do mundo que o está a engolir
Pousa a mochila ao lado do jazigo da mãe
Pede desculpa por não agradar a ninguém
Ele não queria atenção
Se batia, batia, batia com a cabeça era alívio que sentia
Salvador, cristal com a alma partida
Subiu ao topo da igreja, pôs fim à vida
♪
A segunda ambulância passou
Ao lado do Salvador uma poça de sangue
Que cobria uma pequena navalha com a foto da mãe
E ao lado um postal
Um postal do dia do pai onde estava escrito
Pai, obrigado por gostares de mim
Nunca soube ser igual
Sou igual a mais ninguém
Fui tão feliz contigo
Ainda sinto a voz da minha mãe
Somos almas de mãos dadas
Nunca largues a minha mão
Ainda precisamos de ti
Aqui tens o meu perdão
Nunca soube ser igual
Sou igual a mais ninguém
Fui tão feliz contigo
Ainda sinto a voz da minha mãe
Somos almas de mãos dadas
Nunca largues a minha mão
Ainda precisamos de ti
Aqui tens o meu perdão
Há alguém aí?
Pai, tu 'tás aí?
Mãe, estás aí?
Estou aqui
Eu estou bem...
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