A primeira provocação ele aguentou calado Na verdade, gritou e esperneou Mas todos os bebês fazem assim Mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas E não como ele, numa toca, calado, aparado só pelo chão A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe Uma porcaria Não reclamou porque não era disso A outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença, falta de atendimento Não gostou nada daquilo Mas ficou firme Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça Tudo bem, ele gostava da roça Mas aí lhe tiraram a roça Na cidade, para aonde teve que ir com a família, tudo era provocação Resistiu à todas Morar em barraco Depois perder o barraco Ir para um barraco pior Queria um emprego, só conseguiu um subemprego Ele queria casar Gostava da roça Estavam provocando Tiveram subfilhos Subnutridos Os que morriam eram substituídos Para conseguir ajuda Só entrando em fila E a ajuda não ajudava Ouvira falar de uma tal reforma agrária Não sabia bem o que era Parece que a ideia era lhe dar uma terrinha Se não era outra provocação, era uma boa Terra era o que não faltava Passou anos ouvindo falar em reforma agrária Em voltar à terra Ter a terra que nunca tivera Amanhã No próximo ano No próximo governo Ele concluiu que era uma provocação Mais uma Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo Pra valer Garantida Se animou Se mobilizou Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir Estava disposto à aceitar qualquer coisa Só não estava mais disposto à aceitar provocação Aí ouviu dizer que a reforma agrária não era bem assim Talvez amanhã Talvez no próximo ano Então protestou Na décima milésima provocação, reagiu E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele: - Olha, violência, não! Donos do mundo Tiranos imundos Vendem a vida À troco de nada Eu lhes desejo a morte!